4 de junho de 2009

São Jorge e o Dragão


Havia um lago profundo, de águas calmas, localizado em um vale logo abaixo dos elevados muros de madeira, que cercavam a cidade no topo da colina. Todos os dias, as mulheres da cidade desciam até lá para buscar água. Seus carneiros bebiam em seus coxos, e algumas rosas floresciam espalhadas entre as amoreiras ao longo da margem. Então, uma manhã, as mulheres que iam até o lago deixaram cair seus baldes vazios, voltaram correndo, e fecharam os portões da cidade, ofegando de terror. Escalando até o alto da barreira, puderam espiar.
Um dragão, nascido nas fendas mais profundas do inferno, arrastou-se para fora das margens e revelou todo o horror de sua figura. Era uma reunião macabra de músculos, escamas e espinhos, sua boca vermelha bocejava enquanto espreguiçava seu corpanzil sob o sol quente. Seus dentes ásperos e irregulares projetavam-se através dos lábios verdes, seus olhos sem pálpebras eram perturbadores e suas garras sulcavam o leito da parte rasa do lago. De sua respiração imunda se elevava uma névoa verde. Seu pai era o Mal, sua mãe a Escuridão, ele era a encarnação da Crueldade.
Naquela noite ele deixou o lago, como um lagarto, cortou uma trilha através da lama, arrastando sua cauda espinhosa. As pessoas reuniram seus animais domésticos dentro da cidade e fecharam os portões. Mas os muros de madeira não eram eficientes frente às baforadas de fogo da fera. Uma parte da cidade foi devastada, e suas cinzas foram para longe com o vento da manhã. O dragão comeu dois cães antes de retornar ao lago, para enrolar-se como uma serpente dentro da água. No dia seguinte, as pessoas abriram os portões apenas o suficiente para empurrar dois carneiros para fora. Os animais baliram, a seguir trotaram em direção à depressão. De repente, foram cobertos pela sombra do dragão. Depois de serem rasgados em pedaços de lã e carne, foram devorados pelo réptil. Então, a cada dia, mais dois carneiros eram enviados ao lago.
Às vezes, após sua refeição, o monstro rastejava em direção à cidade e para coçar seu traseiro contra a paliçada de madeira. Da janela elevada do palácio, a princesa Sabra prestava atenção com seu semblante pálido e perguntava, "O que acontecerá quando não houver não mais carneiros?"
Antes que o último carneiro fosse entregue, por determinação do rei, as pessoas começaram a fazer a mais terrível das loterias. O nome de todo homem, mulher e criança foi incluído, e um era sorteado por dia. Essa pessoa era posta para fora da cidade, presa ao lado de um carneiro em um poste, para alimentar o dragão. Logo, o som da lamentação tomou conta da cidade. Os homens olhavam uns aos outros pelas ruas e pensavam - "Espero que seu nome seja chamado antes de meu". Um dia, o lamento veio do próprio palácio. O nome da princesa Sabra havia sido sorteado.
- "Não! Eu não permitirei!" - bradou o rei.
- "É a lei" - disseram os aristocratas da cidade. - "Você a fez dessa forma!”
- "Mas ela é tão boa e pura, e eu a amo tanto!”
- "Nós também amamos nossas filhas" - disseram algumas mulheres, - "mas ainda assim elas foram alimentar ao dragão quando chegou sua vez."
- "Mas ela é tão pequena e frágil, uma parca refeição para um dragão tão faminto!"
- "Vá então em seu lugar!" - responderam as pessoas. - "Quão bom para nós Vossa Majestade tem sido desde que o dragão surgiu?"
Notando a revolta em suas faces, o rei teve de entregar sua filha. - "Não me deixem vê-la novamente, ou eu posso mudar de idéia."
Não muito distante dali, um cavaleiro subia um monte íngreme quando seu cavalo parou e começou a bater o casco contra o solo, fungando fortemente pelas narinas. Mas o cavaleiro também estava ciente do cheiro de queimado e ácido no ar. Do alto do monte, olhando abaixo contemplou a devastação. No vale adiante, havia um lago sujo de águas podres. Além dele, uma cidade fortificada tinha suas portas fechadas em seu cerco. Voltando preguiçosamente a cabeça em sua direção, um dragão com asas incapazes de voar, pausou sua marcha e soltou um rugido. O lampejo da luz solar sobre os arreios blindados e o branco do próprio cavalo haviam se fixado no olhar da besta. Porém, nesse momento, um vulto cintilou a sua esquerda. Uma donzela de cabelos dourados em vestes levemente esvoaçantes era amarrada à estaca onde, diariamente, a besta buscava seu jantar. A menina lançou um olhar implorante para a cidade. Mas as janelas do palácio do seu pai estavam vazias. Sua cabeça voltou-se para frente em desespero.
O dragão soltou um rugido desdenhoso ao cavaleiro e virou-se para devorar seu pedaço de carne branco... "Detenha-se besta, pois eu sou Jorge de Lydda!" A voz do cavaleiro alcançou o monstro como um trovão através da vastidão. "Volta e luta comigo – pois certamente teu pai era o Demônio, a Escuridão tua mãe e tu és o próprio Desespero!" E Jorge preparou sua lança longa.

Uma coluna do fogo demoníaco cortou o ar. Mas o soldado galopou em sua direção colina abaixo, levantando um escudo frente sua cabeça e a de seu cavalo, desviando o fogo para o lado. O brilho do sol sobre o escudo e o elmo pareceu enfurecer ainda mais o grande verme. O nobre cavalo branco levou Jorge até a sombra do dragão, que esticou sua garra afiada para arrebatá-lo da sela. Então Jorge golpeou o braço do dragão com sua lança, mas as escamas eram resistentes como couro e ásperas como a pedra. O cavalo e o dragão então passaram a um confronto corpo a corpo. O suor da montaria respingava no flanco verde do réptil. Segundos depois, a pesada cauda chicoteava ao redor, mas o cavalo empinou e saltou em seguida através dos chifres da fera. A lança de Jorge golpeou o focinho da besta e quebrou-se como um graveto. Por um momento, olhou fixamente nos olhos sem pálpebras, em seguida ergueu seu escudo novamente, para evitar a respiração escaldante. O dragão alcançou-o um bater de suas ásperas asas, e o lançou à terra. Jorge jogou fora de seu elmo, e arrebatou a espada larga de sua sela. Diante das vastas mandíbulas abertas para devora-lo onde estava, o guerreiro lançou-se contra peito verde e mergulhou na espada onde um coração devia se encontrar. Mas a criatura não tinha nenhum coração. Os jorros do sangue negro tingiram o Escudo de Jorge. Mas o dragão apenas jogou sua cabeça para trás e deu um rugido gargarejante. Suas garras rasgaram o manto do jovem homem em seis tiras esfarrapadas.
Uma vez mais, Jorge brandiu sua espada, dirigindo-a contra a mandíbula aberta. Ele a partiu por completo, e a besta debateu sua cabeça de um lado ao outro. Por um momento, o corpo cambaleante ameaçou cair e esmagar Jorge. Por isso, forçou com ambas as mãos o flanco do dragão para empurrá-lo para longe. Isso fez com que saísse fumaça das palmas de suas luvas. Com o lento gemer de uma árvore em queda, a criatura espatifou-se no solo a seu lado.
Jorge deixou-o onde caíra, e correu para onde estava a princesa, levantou seu rosto, e disse - "O perigo é quase passado. Eu vejo que tu és uma amável e pura donzela. Dê-me teu cinto, por favor, pois o dragão não está morto." - Com o cinto, circundou a cabeça escamada. Com isso, nas profundezas do corpo cavernoso da besta, seu fogo furioso foi extinto. No fundo de seus olhos, também, a selvageria e a maldade sumiram. O dragão vencido soltou seu último suspiro, que agora era inofensivo ao ar fresco. Juntos, Sabra e Jorge retornaram para dentro dos muros de madeira da cidade e pararam às portas do palácio.
- "Estranho," - disse o rei cheio de alegria, - "de onde tu vieste eu não sei, mas termina tua viagem aqui, toma meu palácio para teu repouso e minha filha como tua esposa!”
- "Eu não posso,” - disse Jorge, mesmo lançando um olhar cheio de sentimentos à princesa. - "tenho outros dragões para vencer.”
Seu cavalo lhe foi trazido, com sua crina e cauda brancas queimadas. E desprendendo cuidadosamente seu braço das mãos delicadas de Sabra, Jorge subiu em sua sela e cavalgou para longe. Embora Sabra tenha esperado por anos, observando da janela da torre a mais alta do palácio, ele nunca retornou.
Algumas pessoas dizem que tomou um navio, viajou a outros países e combateu outros dragões. Mesmo após mil anos, alguns disseram que o viram, ainda empunhando sua espada e seu escudo manchado de sangue, ainda lutando pela morte dos dragões. Mas não resta nenhuma lembrança sobre o lugar onde Jorge, finalmente, depositou suas armas e descansou. Alguns dizem que seu túmulo jaz na Pérsia em um lugar onde nascem rosas vermelho sangue, cujas pétalas agitam-se entre os espinhos dos arbustos, ao lado de águas serenas.

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Segundo a tradição Cristã, São Jorge teria sido um soldado romano, que viveu por volta do século III e sofreu perseguições por ser cristão, mas há quem diga que ele teria sido príncipe da Capadócia. Acredita-se que ele tenha sido martirizado em Diospolis (Lydda), na Palestina. Mas, as lendas sobre a figura de um mártir guerreiro foram ganhando contornos cada vez mais fantásticos na imaginação popular, principalmente a partir do século VI. As cruzadas também tiveram um papel fundamental na difusão do culto ao soldado, cuja imagem ganhara ares de cavaleiro medieval. O episódio da donzela e do dragão narrado aqui, teria se popularizado bastante no século XIII, porém, segundo alguns, teria tido sua origem na história mitológica de Perseu e Andrômeda. Este texto, contudo, foi composto a partir de dois outros em inglês que encontrei em 2003, e que hoje podem ser conferidos aqui e aqui.


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